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segunda-feira, 14 de janeiro de 2019

Diferença entre dar aula de Direito e a atividade jurídica

O presente artigo destina-se a explicar uma forma de abordagem dos temas dentro das peças processuais, evitando textos prolixos e floreios indevidos, fazendo o texto ser mais direto e mais fácil de ser lido e entendido.



http://www.edir.club/2019/01/diferenca-entre-dar-aula-de-direito-e.html


A IMPORTÂNCIA DE DEBATER O ASSUNTO
Tal assunto é de suma importância quando se redige peças processuais porque há uma necessidade de manter o foco no assunto que realmente interessa ao caso concreto e deixar discussões paralelas e teóricas para os debates acadêmicos e não para o efetivo exercício da Advocacia.


Alguém pode perguntar: "Com que autoridade você escreve isso?". A essa pergunta eu respondo que eu tenho a AUTORidade do AUTOR deste texto. Muito embora eu tenha estudado muito sobre filosofia e sobre o Direito, tanto que eu sou um jurista, a autoridade científica não pode ficar presa à autoridade acadêmica, sendo que, caso você também seja jurista, ou cientista do Direito, então eu tenho a mesma autoridade científica que você. Aliás, é a isso que se resume a autoridade científica, que é a possibilidade de ser contestado e, mesmo com essa abertura ao contraditório, um dos debatedores ser porta-voz dad tese vencedora, ou aceita como cientificamente válida.

A ORIGEM DO PROBLEMA
Como dito, eu gosto muito do estudo da filosofia e do Direito, no entanto, não uso tais conhecimentos para discussões de correntes doutrinárias, ou para defesa de posicionamentos de autores, mas uso tais conhecimentos para a solução de problemas concretos encontrados no meu dia-a-dia.

Aliás, há uma origem comum desse problema, tanto na filosofia, quanto no Direito.

A filosofia, há muito, tem formado debatedores sobre correntes doutrinárias e pontos de vistas, às vezes reconhecendo vários pontos de vistas conflitantes como verdades paralelas, igualmente válidos e concorrentes. A filosofia, principalmente as faculdades de filosofia, cada vez formam mais oradores de correntes doutrinárias e menos filósofos, pessoas que se dediquem à identificação de problemas e proporem solução para esses problemas.

Muito embora as faculdades de Direito possuam estágios, e contato com situações concretas, cada vez mais se está rumando para uma formação acadêmica e teórica e menos profissional.

Dessa forma, tanto o estudante de Direito, quanto o de Filosofia, eles têm contato com os seus professores, não na atividade profissional da filosofia e do Direito. O Estudante de filosofia não vê o professor filosofando, nem o estudante de Direito vê o professor peticionando, ou em audiências. O contato havido entre professor e aluno é na transmissão de uma carga teórica e não no exercício efetivo da profissão, sendo que, por causa disso, às vezes o aluno acaba pensando que o exercício profissional do Jurista é aquilo que o professor está fazendo em sala de aula, quando, na verdade, não é.

COMO O PROBLEMA SE MANIFESTA
Por causa disso, o operador do Direito, na sua atividade profissional, acaba se sentindo tentado a escrever, não como um advogado, mas como um professor de Direito.

Existem algumas partículas, algumas frases e expressões que devem ser evitadas para que o problema não se manifeste, tais como "Como é sabido", "Como é consabido", e coisas equivalentes. Algo bem sintomático é começar a abordagem a partir da teoria para o caso concreto juntamente com essas expressões.

Eu procurei o termo "como é sabido", assim mesmo, entre aspas, no Google, e a primeira página dos resultados foi inteira de textos criticando e até ridicularizando a utilização desse termo. Evidente que os resultados do Google não deve orientar a atividade profissional dos advogados, uma vez que, se assim fosse, poderíamos ser vítimas de Google Bombings ou de falhas no mecanismo de busca, mas, nesse caso, esses resultados representam uma verdadeira tendência das pessoas que escrevem e os textos crawleados pelo motor de busca e pelos usuários desse site.

Não que esse termo deva ser retirado das peças, mas deve, sim, ser usado para se referir a algo que tenha acontecido no processo, ou que seja a causa de pedir remota, fatos concretos, acontecimentos:

Como é sabido, mesmo devidamente citada, a parte Reclamante não compareceu à Audiência Inicial.

Dessa forma, não se usa esses termos para iniciar uma discussão teórica, porque isso vai dar um aspecto de literatura da área do direito e não um instrumento processual, uma petição voltada para o desenvolvimento da sua atividade. A ideia não é que a sua peça sirva de subsídios para ourtos operadores do Direito, mas para que, de fato, ela mesma opere o Direito, com aplicação imediata.

Da mesma forma que o aluno de filosofia não veja o professor filosofando, nem o aluno de Direito veja o professor trabalhando, é natural que o advogado queira imitar os seus professores.

Eu, mesmo, tenho diversos cacoetes herdados dos meus professores. A forma como eu falo em sala de audiência lembra muito à forma que um professor meu falava em sala de aula. Da mesma forma, nas minhas petições, há uma agressividade que eu herdei de outro professor. Não posso dizer que eu não seja influenciado, porque eu sou. No entanto, eu sei que o que ele estava fazendo na sala de aula não é operar o Direito, mas ensinando uma carga teórica para quem vai operar o Direito. Operar o Direito não é aquilo que está em sala de aula, mas uma aplicação concreta, material e individualizada daquilo, dentro dos fatos de cada caso concreto.


SOLUÇÃO PARA O PROBLEMA
Suponha que você quira aplicar uma teoria a um caso concreto. NÃO COMECE FALANDO DA TEORIA, comece falando do caso concreto. Em vez de você escrever:

Como é sabido (consabido), para que ocorra o cometimento de um crime é necessário que haja uma conduta, que essa conduta seja típica, que essa conduta típica seja antijurídica e que, além disso, seja culpável. com a Evolução do Direito, a conduta deixou de ser movimentos musculares e passou a ser considerada como ações livres destinadas a um fim ilícito e, sem esse elemento subjetivo de liberdade, não há como se reconhecer que a conduta tenha ocorrido.
Aqui eu escrevi muitas linhas e não disso nada com nada. Para qualquer petição criminal que eu escrever eu posso colocar exatamente esse mesmo texto que ele vai se adaptar a qualquer caso, justamente por não se referir a nenhum caso concreto.

Partindo da análise do caso concreto em vez de partir da análise da teoria, o texto vai ficar mais enxuto e menos cansativo de ser lido:

O Sr. Perito psiquiatra, ao examinar o Réu, constatou que ele possui conhecimento potencial da ilicitude da sua conduta, mas não possui autodeterminação para configurar seu comportamento de forma adequada aos critérios de licitude. Tal informação fulmina a conduta, sendo que, ao contrário do que entendeu o Digno Representante do Ministério Público, o Réu não pode ser considerado como semi-imputável, mas totalmente inimputável, por falta do primeiro dos requisitos para a configuração do crime, que é a conduta típica, aliás, sequer conduta ocorreu. A conduta não pode ser entendida como movimentos musculares, mas como ações livres destinadas a um fim. Não havendo esse elemento cognitivo, essa liberdade, sequer pode ser considerado que houve uma conduta.
No caso acima, o operador do Direito não vai fugir da teoria, mas vai pegar de toda a teoria, apenas os elementos necessários para o caso concreto, previamente delimitados com a narrativa dos elementos objetivos observados no processo. Quando eu falo sobre a liberdade, eu não adentrei na discussão sobre a tipicidade, antijuridicidade e culpabilidade, mas parei a fundamentação teórica na conduta. Depois eu aprofundei um pouco mais no conceito de conduta, mas sempre dentro dos limites do caso concreto, previamente delimitados.

Vai citar doutrinas da mesma forma, vai citar trechos de livros e artigos acadêmicos. No entanto, tais citações não precisarão ser reescritas com as palavras do procurador, mas apenas dizer: "com base na doutrina, o meu cliente tem razão"; "com base na doutrina, a outra parte não tem razão"; "com base na doutrina, não houve crime"; Conforme a doutrina, o meu cliente é inimputável".

CONCLUSÃO
O Direito não é uma discussão sobre correntes filosóficas, correntes doutrinárias, sobre Mirabette, sobre Damásio, mas uma pretensão concreta baseada em um fato concreto. Uma pretensão do seu cliente, baseado em alguma coisa que aconteceu, ou não. O advogado não vai defender o cliente contra as correntes doutrinárias, mas contra o interesse da outra parte,com base nos fatos concretos que ocorreram, tanto antes do processo, quanto aqueles que ocorreram no curso do processo.

Às vezes gastamos páginas e páginas falando sobre teorias, correntes doutrinárias e, sequer, mencionamos os acontecimentos concretos, quer aqueles que são a causa de pedir remota, quer aqueles que ocorreram no curso do processo, objeto de análise.

Esse início pela doutrina dá azo a uma peça prolixa que, quando você for utilizá-la de modelo para outro caso equivalente, de 80 páginas que você escreveu, você vai mudar o preâmbulo, uns dois ou três parágrafos no tópico dos fatos e a data ao final da petição. Isso não porque a petição seja versátil, mas porque o texto, ao servir para qualquer caso, não serve, de forma mais específica, para caso nenhum.

Às vezes gastamos dezenas de folhas debatendo sobre teorias, quando, na verdade, nós poderíamos gastar apenas uma dúzia ou menos de dez laudas para explicar e fundamentar de forma satisfatória o pedido. O advogado tem que perder o medo de petições com menos de dez laudas, que é o que eu chamo de complexo do um dígito, tendo que escrever algo com, pelo menos 10 laudas.

Faça as peças de uma forma que, ao ser utilizada de novo, você terá que mudá-la inteira, no entanto, sem ter muito trabalho, porque ela possui poucas páginas. Isso porque ela é exclusiva para aquele caso concreto.

Aí que está a diferença entre o grande profissional do Direito e o profissional comum. O grande profissional do direito redige a petição do início ao fim, aproveitando alguma citação de outras petições, mas cada petição é estruturalmente única, isso porque você passou a petição inteira falando do que realmente interessa e não sobre correntes doutrinárias. Você não está no Direito para esse tipo de discussão, mas para defender os interesses do seu cliente com base nos fatos que aconteceram.

Não se pode ficar abusando da boa vontade do judiciário, dos serventuários, escrevendo petições gigantescas que servem, mais ou menos para qualquer coisa, porque não servem especificamente para nada.

E são essas petições pequenas e diretas que o Juiz vai ler e entender de uma forma mais clara, de modo que não se pode arriscar de o juiz não dar provimento ao que foi pedido, simplesmente, não entendeu o que foi pedido, nem sob quais fundamentos aquilo foi pedido.

O juiz não está interessado em saber o que pensa o jus positivismo, o Direito Natural, mas se interessa pelos fatos, segundo o princípio do da mihi factum dabo tibi jus. Por mais que sejam fundamentados na doutrina ou na jurisprudência, o juiz quer que você dê a ele os fatos, não que você fique explicando coisas que o juiz ja sabe, porque o próprio juiz conhece essas doutrinas.

Assim sendo, às vezes nos preocupamos em dar um aula nas nossas petições e acabamos esquecendo daquilo que realmente interessa, que é a defesa dos interesses do cliente, segundo os fatos. Mais ainda. Se você ler uma petição sua e sentir que aquilo se parece com uma aula, ou se alguém ler sua petição e dizer, até em tom de elogio, que você deu uma verdadeira aula naquela petição, então, provavelmente, há alguma coisa de errado ali.

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